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O imediatismo e os remakes


Por Filipe Chamy

Há pouco tempo revi A mosca, trabalho assinado por David Cronenberg em 1986. Trata-se, como devem saber, do remake de A mosca da cabeça branca, produção dos anos 1950 com Vincent Price e Herbet Marshall no elenco. O filme de Cronenberg continua uma inquietante obra-prima, cujo sombrio dos acordes de Howard Shore (quase o Bernard Herrmann do terror) se mistura a uma inusitada história de amor, temperada com bizarra e atraente ficção científica. O filme não tem poucas qualidades, e é possível assistir a ele em muitas oportunidades como se fosse completamente novo, tamanha a sua potência e as leituras que podemos extrair de seus rumos.

O que diferencia A mosca das toneladas de remakes que são anualmente atiradas em nós? O que garante a esse filme uma digna independência, e não reles cópia? Ele é caso único na história do cinema?

Certamente não; aliás, a dúvida maior do cinema continua sendo a indecisão sobre qual dos seguintes filmes é melhor: o Nosferatu de F. W. Murnau, feito em 1922, ou sua refilmagem, comandada por Werner Herzog em 1979. O segundo leva a vantagem de ter Isabelle Adjani em uma etérea aparição, enquanto o primeiro talvez tenha em seu quadro de atores um vampiro de verdade; brincadeiras à parte, o caso de Herzog esclarece que um remake não é uma citação literal ou uma referência gratuita. Um remake pode ser tão bom ou melhor quanto o filme de origem. Então chegamos a isto: por que a esmagadora maioria das refilmagens são lixos execráveis?

As razões são facilmente identificáveis. Uma delas é a imaturidade que permeia as mentes que freqüentam cinemas: um filme em preto-e-branco, por exemplo, é “atrasado”, precisa ser refilmado a cores; quem gosta de passado é museu. Do mesmo modo, para que ver um filme da década de 1940? ‘Eu vivo no presente, quero ver um filme da minha época.’ E também: ‘eu não vivo em outro país, não conheço (e nem quero conhecer) outras línguas e culturas’; ‘quero um filme imediatista que diga respeito à minha realidade e ao que eu entendo e está ao meu alcance’. Agora junte-se tudo isso e entenderemos por que há uma insistência em regravar tantos filmes apenas pelo questionável motivo de “atualizá-los” — o que em si já é ridículo, mas mais absurdo ainda é que esse “argumento” encontra cada vez mais seguidores.

François Truffaut (que morreu em 1984) previu que em breve o cinema viveria de remakes; ele não só acertou como ainda teve a sorte (?) de não mais estar vivo para conferir a degradação do cinema. Não que a sétima arte esteja sepultada, mas, se por um lado o acesso a filmes está cada vez mais amplo, por outro a maior parte da produção nova de alguns países vincula-se necessariamente a essa idéia de “apresentar” obras antigas a um público jovem, em vez de procurar de alguma forma mostrar a esse público como são infundados e risíveis os preconceitos com os filmes, livros e demais obras de arte feitas antes de seu nascimento ou geração. Já chegamos a um ponto tal em que em um ano o Japão produz algum filme interessante e dois anos depois ele é refilmado nos Estados Unidos sem qualquer talento, diferencial ou motivação, apenas para “traduzir” o filme ao ocidente. Cada vez mais se nota esse esforço para impedir a universalidade da cultura. O que se deseja é fechar um país, não receber influência ou ter contato com outros povos e pensamentos. É uma espécie de egoísmo quase xenófobo.

No final das contas, o importante é fazer boas coisas; tanto faz se um filme é original ou regravação, a única coisa que se deve observar com sensatez é sua qualidade. O que vem sendo preterido, nessa contemporânea corrida contra o passado e a diversidade.




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