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Especial José Agrippino de Paula

Maria Esther: Danças na África
Direção: José Agrippino de Paula
Brasil, 1978.

Por Filipe Chamy

Danças na África é um curta-metragem de pouco menos de meia hora, dirigido em Super-8 por José Agrippino de Paula, em 1978, com sua mulher Maria Esther como protagonista. Trata-se de um experimento que é mais interessante que efetivamente “bom”. Não é possível, como se sabe, analisar cientificamente um filme, mas essa obra é tão visivelmente amorfa que não pode ser analisada como uma produção qualquer. Na verdade, a maior parte da complexidade deste obscuro trabalho decorre de fatores externos a ele: no grito que a África vem dando ao mundo ocidental nas últimas décadas, mais precisamente.

A África é um continente imenso e ainda quase desconhecido. Com sua enorme variedade de religiões, animais, plantas, é uma terra tristemente devastada pela AIDS e por guerras étnicas que são negligentemente ignoradas pela “civilização” branca. É uma terra de ninguém em muitos aspectos. Mas também é um território de cultura forte e expressividade admirável.

Danças na África pode ser facilmente definido como uma experiência modesta e crua, em que por quase trinta minutos vemos uma mulher, com os seios e o ventre nus, dançando e fazendo movimentos aleatórios. Não que não seja isso; mas a simplicidade é aparente e o próprio filme se encarrega de mostrar suas qualidades ao longo de seu pouco tempo.

O tipo de registro reverente com que nos deparamos é algo que só tem espaço nas artes a leste do meridiano de Greenwich há pouquíssimo tempo, e ainda são raros e notáveis os esforços em compreendermos organização e cultura tão diferentes das nossas. É de se pensar, por exemplo, em O africano, de Le Clézio, cuja África dos demônios e terrores tão fortemente pintada no imaginário coletivo não é descartada, mas analisada com honesta humanidade – ou mesmo nas reportagens tão ricamente ilustradas que a National Geographic Society veicula em suas mídias, escritas ou televisivas. Todos esses esforços são honoráveis e visam a compreender um pensamento que, apesar de ser tão diverso do nosso habitual (ou talvez por isso mesmo), é digno de respeito. O fato é que a África só agora vem sendo enxergada como um lugar onde há pessoas, não estereótipos; onde há literatura, música, exuberância, folclore, e não ritos pagãos e absurdas demonstrações de violência e selvageria.

Danças na África é em parte um pequeno manifesto sobre uma pequena porção dessa cultura devastada pelas mãos e pelo olhar do europeu e do americano. É algo que não podemos compreender amplamente, pois, sem possuir as chaves dos símbolos, nossos cérebros não decodificam a linguagem das ações e movimentos da dança, da música tradicional que é a voz de um povo, do espaço pensado para os passos do corpo, da importância mesmo do corpo nesse processo de tornar artística uma dança cuja origem provavelmente foi um instrumento religioso ou outra dada utilidade social, para a comunidade onde era praticada.

Verdade é que faltam registros sobre Maria Esther: Danças na África: os movimentos foram estudados e a dança treinada? ou foi tudo trabalho do acaso e da inspiração? a intenção de se fazer este curta foi antropológica ou mera curiosidade de se concretizar o experimento? ou simplesmente a idéia era brincar com as tradições de um continente tão estranho a todos? Não é possível talvez responder a nenhuma dessas perguntas. Mas parece inegável apontar a seriedade com que o filme foi conduzido e estruturado. Ainda que não tenha havido esse objetivo, Danças na África é um pertinente tratado sobre um povo marginal.



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