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Dossiê João Callegaro

As Libertinas (Episódio: Ana)
Direção: João Callegaro
Brasil, 1968.

Por Gabriel Carneiro

Melhor dos três episódios do irregular As Libertinas (os outros dois são Alice, de Carlos Reichenbach, e Ana, de Antonio Lima), filme que marcou o flerte do marginalismo com o erotismo, aspecto presente nos futuros filmes da Boca do Lixo, o episódio Ana é uma farsa das mais interessantes, sabendo brincar com a questão do adultério, da diferença de idades, do voyeurismo e da chantagem.

Realizado em 1968, e enquadrado no chamado Cinema Marginal, As Libertinas vendia a imagem do sexo despudorado, da descoberta do sexo, por mais que hoje pareça deveras inocente. Os três episódios são nomes de mulheres que começam com A (“o sexo começa com A”, como indicava a propaganda), e Ana é o último deles. Enquanto seus companheiros brincavam com a algazarra e com o tema mulher-tentação, João Callegaro foi além. Explorou esses temas também, mas soube encontrar uma sacada, uma ironia que ligasse o filme a um deboche mais refinado, sem deixar a balbúrdia, o erotismo e o popular de lado.

O episódio relata a história de um homem mais velho, casado, que começa a ter um caso com outra hóspede do hotel em Itanhaém, bem mais jovem que ele, e pretensamente casada (o marido não estava lá). Porém um fato inusitado ocorre, cada vez que o casal vai à praia namorar, um sujeito tira fotos deles. Brincando com diferentes fetiches, Callegaro cria uma deliciosa comédia de costumes, alternando a libertinagem do título, com a ironia do destino.

O voyeurismo das lentes do fotógrafo soa quase como uma metáfora metalingüística. Assim como o fotógrafo se encanta pelas cenas do adultério, em especial na apropriação do corpo daquela mulher jovem e bela, que é mostrada através de slides, a câmera de Callegaro é apaixonada pelas mulheres que mostra, em especial na belíssima sequência final, completamente desconexo da trama, em que vemos um longo striptease. A câmera parada, complacente e contemplativa, envolve o espectador com os movimentos da mulher que se despe, de maneira vagarosa, com o seu corpo a balançar, num fundo escuro, iluminando praticamente a moça apenas. A atenção voyeur dada às raparigas do filme, em especial a essa, é sem dúvida de encantamento ímpar, herdada, talvez, de filmes como Tortura do Medo, de Michael Powell.

Se não fosse pelo filme de Callegaro, As Libertinas não manteria sua jovialidade e seu espectro de cinema poesia que possui hoje – conceito, talvez, equivocado. Callegaro não faz mais do que filmar bem uma história bem contada, com suas viradas e sacadas, utilizando na forma os valores aplicados no conteúdo – e com isso, experimentando os deslumbres de um par de seios, e de um corpo belo, através de suas lentes que tanto gostam de observar.




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