html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Lançamentos
Por Vlademir Lazo Correa


Aquele Querido Mês de Agosto
Direção: Miguel Gomes
Portugal/França, 2008.

Bem no começo de Aquele Querido Mês de Agosto uma raposa tenta arranjar um meio de invadir um galinheiro repleto de aves. A cena aparentemente não tem nada a ver com o contexto do filme, mas os mais atentos notarão que essa abertura tem muito mais a dizer do que supõe nossa vã filosofia. Como uma raposa, o diretor Miguel Gomes espreita e persegue as figuras às quais pretende abordar, se embrenhando por brechas que não conhece e se insinuando por frestas que procura desbravar na tentativa de concretizar suas entrevistas e descobrir atores numa vila em Portugal para as filmagens da história que ele tem em mente.

É o processo da realidade invadindo a ficção, com o cineasta aos poucos oferecendo indícios evidentes dos personagens da ficção que pretende filmar, e indo em direção das pessoas que possam interpretar esses papéis, com forte preferência por gente sem experiência prévia em trabalhos por trás das câmeras.

Como essas pessoas são músicos, a primeira meia hora mescla fragmentos de entrevistas, depoimentos ou frases curtas intercalando-as com trechos de apresentações musicais de canções portuguesas sobre conflitos amorosos, traições e saudades. Bandas populares que tocam em bailes noturnos, com o filme construindo uma atmosfera que logo se dissipa em favor de outras tantas com as constantes mudanças de ambiente, tornando o filme possuidor de um tipo de fruição diferente e todo particular.

O diretor Miguel Gomes conta que, num primeiro momento, captou o material do que viria a ser a parte documental, e após um trabalho em cima dessas imagens, um ano depois sua equipe voltou a mesma região para trabalhar na parte ficcional, sempre no mês de agosto (época especial para o povo da região, por ser um período de visita de moradores que já não moram mais no local, além de uma série de festas públicas por ali). O cineasta incorpora à tela a aventura de filmar, trabalhando e expandindo as fronteiras entre o documentário e a ficção, e a passagem de um para o outro dentro do filme é quase um deleite, com um expressivo e belíssimo uso de sobreposição e fusão de imagens, dos muitos que ocorrem no filme. É quando o filme se reconstrói todo novamente, com praticamente cada sequência da parte documental sendo de um modo ou de outro revisitada na parte da ficção, e as pessoas do mundo real se transformando em personagens inventados, os cenários da vila finalmente servindo de palco ao drama e a rotina local em matéria-prima ao roteiro. Para coroar o que é um dos filmes mais originais dos últimos tempos, há também no desfecho um dos mais criativos créditos de encerramento vistos na tela do cinema, com um bem-humorado colóquio entre os integrantes da equipe de filmagem.

Um adorável híbrido do documentário com a ficção, do qual ao final saímos da frente da tela sem saber se o que mais ganha nesse intercâmbio é o primeiro (o documentário) ou o segundo (a ficção). O mais apropriado é dizer que quem ganha é o espectador, porque ver Aquele Querido Mês de Agosto praticamente equivale a mais de uma experiência distinta num só corpo fílmico, e a maneira como elas se conjugam e se confundem é o toque de mestre do diretor português, do qual esse é apenas o seu segundo longa.



<< Capa