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Dossiê André Luiz Oliveira

A Fonte
Direção: André Luiz Oliveira
Brasil, 1970.

O Cristo de Vitória da Conquista
Direção: André Luiz Oliveira
Brasil, 1984.

Por Gabriel Carneiro

O artista plástico Mário Cravo Jr. é objeto de dois curtas documentais de André Luiz Oliveira. O primeiro, A Fonte, retrata a realização da escultura Fonte da Rampa do Mercado, estabelecida na Praça Cairú, do antigo Mercado Modelo; o segundo, O Cristo de Vitória da Conquista, a escultura do Cristo Crucificado, com 15 metros de altura e 12 de largura, para a cidade de Vitória da Conquista, na Bahia. Amigo pessoal do cineasta, Mário Cravo Jr. sempre o encantou pela “revolta escrita sob várias formas estranhas”, como afirma André Luiz Oliveira, em seu livro Louco por Cinema.


A Fonte

A passagem de tempo entre os filmes é significativa. Não só para os personagens, que envelhecem, mas pelo olhar do processo criativo da arte. Filmado em duas bitolas (16mm e 35 mm), em p&b e em cor, A Fonte é um espetáculo visual, alternando planos de Cravo produzindo a obra, montando-a, e finalmente pronta. Parece que Oliveira filma todo aquele esplendor como parte integrante da obra, pulsante e em compasso com ela – não à toa, a música é muito importante para ambos os documentários. Embalado pela tropicália e antropofagia, vivendo a contracultura, as drogas e o delírio imagético por elas produzido, André Luiz faz, em A Fonte, um filme-reverência, levando a arte de Mário Cravo aos céus. As diversas imagens contemplativas do curta, montadas de modo não-linear, tem apenas um som ao fundo, a música, leve de início e que se exalta à medida que entram as guitarras. O ritmo não muda, mas o sentido é mais agressivo – ao reverenciar aquela escultura, sente sua transgressão através das formas contorcidas e arredondadas, talvez por isso a música.

O segundo filme, O Cristo de Vitória da Conquista, filmado em 16mm, já é diferente. A onda revoltada já havia passado. As brigas que tinha anteriormente com as instituições estabelecidas, tal qual a igreja e a religião, já não são integrantes de sua realidade. Iniciado em 1980, dez anos após A Fonte, e concluído em 1984, esse curta já se aproxima mais da videorreportagem, com certo distanciamento, e deixa de lado a veneração por Cravo e sua obra. Nesse filme, André Luiz observa a criação da escultura em pé de igualdade, e dá voz ao artista, que se torna tão ou mais importante do que as imagens, tendo um agradável jazz ao fundo. O único momento de reverência está nas pessoas filmadas quando da instalação da obra; aquela aglomeração olhando para o Cristo com profundo respeito à imagem.


O Cristo de Vitória da Conquista

O tempo transforma o olhar. Se em A Fonte o poder estava nas imagens, em O Cristo de Vitória da Conquista, quem domina é o discurso do artista.

Talvez por isso, A Fonte parece mais bem sucedida, especialmente pela força que as imagens passam. Enquanto estamos no domínio da criação de Mário Cravo Jr., a imagem é em preto-e-branco, e muda para o colorido assim que a vemos na Praça Cairú. Nesse estágio do curta, é que as cores quentes transformam-se em ostentação, reverberando a escultura. A tal reverência acima citada é crucial, observamos a obra pela câmera de André Luiz. Em O Cristo de Vitória da Conquista, por mais que traga um interessante jogo entre as falas do escultor e as imagens do Cristo, observamos a obra, mas por uma câmera impessoal, satisfeita com o discurso – e com isso perde-se a beleza da narrativa subjetiva.



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